Barraco Postal.

Sair com os amigos tornou-se um programa comum para estudantes (desocupados) de férias como eu, já estava acostumado a passear pelas pacatas ruas parintinenses sem destino e parar nos mesmos lugares de sempre. A vontade de comer algo doce fez eu obrigar minha amiga a estacionar em um posto de gasolina para comprarmos alguma besteira na loja de conveniências.

-Com licença...

Um senhor que provavelmente trabalhava no posto bloqueava a porta e tive que insistir para me dar passagem. Embora a fachada da loja fosse toda de vidro, não percebi a atendente e o único cliente enfurecidos.
Entro, dou um "-Boa noite" e, sem resposta, sigo até as prateleiras. A atenção dos seres vivos no recinto logo se desviaram de mim e um bate-boca que parecia ter começado horas atrás é retomado sem se incomodar tanto com a minha presença.
Demorei a escolher o que queria de propósito, a curiosidade me levara a querer entender o que estava acontecendo.

-Vamos, Tiago! Escolhe qualquer coisa aí...

A voz dos meus amigos tentando me apressar era quase imperceptível devido ao alto tom em que a discussão entre cliente-e-funcionária estava, salvo os puxões que me davam em direção a porta. Depois de ter entendido o motivo de tanta gritaria, escolhi uma barra de chocolate qualquer e me dirigi ao caixa...
O cliente bebadamente alterado cambaleava ora em direção a porta, ora em direção nenhuma, e, com muito esforço conseguira sair do estabelecimento, a moça já produzia as primeiras lágrimas no rosto e então uma outra funcionária surgiu do nada e começou a xingá-la com palavras do mais baixo calão.

-Boa noite - tentei novamente
-Boa noite - A moça de pele já avermelhada pelo nervosismo respondeu de cabeça baixa

Como se já não soubesse, perguntei a ela o que havia acontecido para então confirmar o que já percebera. O rapaz entrou, bebeu e não pagou. Perguntei quanto fora o prejuízo e me surpreendi com o valor extremamente baixo gerador de tamanha confusão

-Acrescenta no valor do chocolate que por mim fica tudo bem.

Pedi que ficasse calma e saí dali indignado com a ousadia do bêbado, com a ignorância da "colega de trabalho" (nem sei se ela ainda a chama assim) que piorou a situação e com a forma que algumas pessoas acham que podem tratar as outras...

Corrida.

Me parte o coração ver que você está sorrindo tanto sem mim por perto.
Espero não ter caído no esquecimento, porque você não sai dos meus pensamentos um segundo sequer. Nunca irá sair.
Se eu pudesse ou fosse louco o suficiente, largaria tudo e seguiria em frente com você, por você.
O pior é que eu já sabia que seguiríamos caminhos opostos, então por que eu me torturo? Por que eu acho que tudo tem haver contigo e que o mundo se resume no teu sorriso?
Me parte o coração ver que você sobrevive sem mim por perto.
Porque eu estou andando por andar, você não está mais na linha de chegada, então, que graça terá a corrida da vida quando todos os obstáculos passarem?
Prêmio nenhum me motivaria a correr tanto quanto antes,
Prêmio nenhum me faria feliz no fim,
Prêmio nenhum vale o que você vale pra mim.

Sem siso, sem juízo.

Estou desde meados do século passado adiando a consulta no dentista para extrair dois sisos e um dente supranumerário que teimou em nascer somente para atrapalhar a minha vida. Desculpas como "- Tenho provas" ou "- Tenho seminários" esconderam o real motivo d'eu adiar tanto a extração do "dente do juízo".

"- Tenho medo..."

Não de dentista, mas sim da dor que alguns amigos da faculdade disseram que eu sentiria, afinal, ficar três semanas sem comer direito com constantes dores insuportáveis e jorrando sangue pela boca exige um intenso preparo psicológico.
Chego no consultório e preencho uma ficha clínica enquanto as recepcionistas bem arrumadas discutiam sobre a vida alheia. Em poucos minutos já estava dentro da (sala de tortura) pequena sala onde o simpático dentista realizaria a operação.

"-Você não vai sentir nada..."

E realmente não senti, a operação foi rápida e nem vi o tempo passar. A tarde fora uma maravilha até o dormente efeito da anestesia acabar. Uma dor e um drama maior ainda deixou minha mãe preocupada enquanto eu me afogava em litros e mais litros de sorvete por (divina) recomendação do odontólogo.
No dia seguinte acordei com a bochecha thunder-thunder-thunder-inchada e apelidos foram inevitáveis durante a comemoração do aniversário da minha irmã.

"-Kiko!"

Era meu pai me chamando... Até ele... Queria me jogar do segundo andar, me trancafiar no quarto, pensei em me enterrar, mas tinha medo que a minha gigante bochecha maior-que-a-do-fofão ficasse para fora... O cardápio era o mais variado e, devido a dor, não pude comer a lasanha, o strogonoff, o filé, senão uma sopa de verduras batida no liquidificador.
Alguns dias já se passaram e a minha alimentação resume-se em sopa, remédios e iogurte , estou louco para comer algo que precise ser mastigado, mas aí PÁ!... Eu lembro que ainda falta arrancar o outro siso...

Eu passei no vestibular.

-O resultado sai amanhã, duas horas!

Foi essa a frase que me fez dormir mal e acordar com uma ansiedade infinita. Depois de três longos anos de espera e queima de neurônios, a lista de aprovados do Processo Seletivo Contínuo finalmente estara há poucas horas de ser divulgada.
As batidas do meu coração aumentavam juntamente com o meu nervosismo enquanto a velocidade da minha internet teimava em se igualar aos salários: mínimos. "E se eu não passar?", "Minha pontuação não foi muito boa", um agonizante pessimismo tomava posse de minha mente agora, o microblog mais usado do mundo me permitia ver que não era o único a estar no completo caos.
Rezava para que o resultado saísse antes que tivesse um infarto e para que o meu nome estivesse dentre os listados no curso de Design.
Uma contagem regressiva imaginária foi feita e às exatas duas horas reabri a página inicial da COMVEST, porém o que eu procurara só fora divulgado às duas e quartorze.
Pensei em roer as unhas enquanto a janela que mudaria a minha vida carregava, mas não sobrara nenhuma, todas já haviam sido trituradas por dentes, agonia e ansiedade.

-Passei!

Espalhei a boa notícia pela casa toda, falava alto, queria que os vizinhos ouvissem. A vontade era de divulgar que "Tiago Kimura Bentes passou no vestibular" para o mundo todo. E aos que acham que a felicidade é invisível, eu a vi. Eu a vi estampada no meu rosto, na voz trêmula de familiares que ligavam para me dar os parabéns e mesclada com orgulho nos olhos dos meus pais, ora convertida em lágrimas, ora em sorrisos.
Logo combino com os amigos de fazer um passeio e às seis e pouco já estávamos reunidos e subindo num trenzinho que tocava músicas infantis.

-Moço, o senhor pode colocar a faixa 10 desse CD?

O simpático colombiano finalmente entendera o que falamos depois de muita insistência. Todos a postos, o condutor dá um "play" na música e no nosso passeio também.

"- Alô, papai, alô, mamãe, bota a vitrola pra tocar. Podem soltar foguetes porque eu passei no vestibular"

A marchinha ficou na cabeça, não fora preciso muitas repetições e logo todos estavam cantando o mais alto que podiam. O veículo era lento e as pessoas por quem passávamos acenavam ou simplesmente riam de nossa loucura. A alegria era tanta que ninguém se importava com a voz que ficara rouca ou com o que os outros iam pensar dos mais novos calouros da Universidade Federal do Amazonas.
Ao fim da farra, convido outros amigos para lanchar e eu fiz questão de falar pro garçon:

-Eu passei no vestibular.

Preguicite Gripal.

Não se faça de desentendido que você conhece essa doença muito bem!
Caracterizada com sintomas do tipo "querer ficar deitado o dia inteiro sem fazer nada", a preguicite assola crianças, idosos e (principalmente) jovens. Leves dores de cabeça acompanhada de uma moleza descomunal obrigam o enfermo a ficar na cama por tempo prolongado e a cancelar todos os compromissos do dia (com exceção das farras).

- E comigo não foi diferente!

Os primeiros sintomas apareceram enquanto eu arrumava o quarto, mas o caso complicou de verdade quando me convidaram para malhar. Uma crise de cefaléia e um frio que fazia doer os ossos me impediram de aceitar o convite dos meus amigos.
Já tomei remédios e mais remédios, um com o nome mais complicado que o outro, mas eu acho que a real cura para a "preguicite gripal" seria caseira, simples e definitiva.
Repouso, repouso e mais repouso...

Amazon Village

-Vamos para a vila Amazônia amanhã?

E foi assim, de um segundo para outro que eu e mais três amigos resolvemos conhecer e nos aventurar nas trilhas de uma pacata vila próxima à ilha de Parintins.
Depois de mil chantagens emocionais, convenço minha mãe e durmo cedo para estar às seis e meia (da madrugada) no local de encontro combinado. Por pouco não perdemos a balsa que nos levaria ao nosso destino em quarenta minutos e chegamos na Amazon Village necessitados de aventuras, risos e gasolina.
Após abastecermos as duas motos, atravessamos as estradas - ora asfaltadas, ora não - a muitos quilômetros por hora e logo achamos trilhas e mais trilhas cheias de bifurcações e encruzilhadas. O pouco espaço aberto entre a mata era o suficiente para passarmos; a areia, as pedras e outras irregularidades do trajeto faziam as motos derraparem constantemente e o nosso cuidado triplicar. A paisagem que misturava os diversos tons de verde das árvores com o azul do céu era iluminada pelos raios de sol que queimavam nossas peles encharcadas de protetor solar. Vez ou outra tínhamos que abaixar a cabeça para não bater em algum galho de árvore mais baixo ou para passar nas pequenas porteiras abertas entre cercas que delimitavam terrenos. Não tínhamos destino nenhum, senão o objetivo de conhecer cada "esquerda ou direita" das bifurcações e cada paisagem que a natureza montou.
Seguíamos nosso caminho até que chegamos no que teoricamente seria o final, uma casa.
Sem tempo para dar a volta no estreito pelo qual passamos uma senhora enfurecida perguntava o que estávamos fazendo ali como se fosse roubar nossas almas invasoras de territórios. Após sussurrar algo como "Vou te ensinar a mentir", meu amigo enche o peito de coragem e cara-de-pau e pergunta:

-Aqui é a casa do seu Zé da macaxeira?

A vontade de rir era contida com pequenas crises de tosse, a senhora não entendia muito bem o que acontecera.

-A casa do seu Zé é por aqui?
-Não, não - a mulher caíra em nossa mentira
- Tem alguma outra casa por perto?
-Tem a do Seu Paulo nos fundos

Foi então que meu amigo virou o rosto para mim e disse "Eu acho que pegamos o caminho errado então.".
Não sabia o que era maior, a vontade de voltar imediatamente para as trilhas ou a de rir sem parar da situação pela qual passávamos. O restante do caminho fora cheio de gargalhadas e piadinhas até que, às onze e pouco, quem pediu combustível fora o nosso estômago.
Comemos e logo estávamos subindo na moto novamente para voltar ao trajeto.

-Vamos passar pela "Costa do Camelo"?

Tratava-se do nome de uma parte da estrada, e eu só entendi porque fora batizada assim quando chegamos lá. Uma série de depressões agudas e planaltos absolutos formavam um sobe-e-desce tal qual as costas do animal, a sensação de passar por lá na velocidade cinco que a moto nos permitia pode ser comparada, sem dúvida, a de estar numa montanha russa. Logo as estradas de pedras e areia ficavam cheias de buracos, poças de lama e poeira. Paramos numa bifurcação e esperamos nossos amigos que vinham logo atrás.

-Ainda não chegaram?

Não sei ao certo quanto tempo passara, mas já era o suficiente para terem nos alcançado. Preocupados, resolvemos voltar e ver se algo havia acontecido... Nada. Haviam sumido.
O desespero subia a cabeça e eu entendi porquê as mães brigam com os filhos quando eles se perdem, a agonia de perder alguém é horrível. Fomos e voltamos pelo mesmo caminho três vezes, achava que alguém tinha os assaltado, que estavam jogados no meio do mato, pensei até em abdução, pois não havia como sumir de uma estrada sem ninguém perceber... Foi então que resolvemos perguntar para as pessoas que moravam nas margens da estrada.

-Eu os vi sim, foram em direção a vila...

Alívio. Voltamos mais rápido que antes, mas passar pelas "costas do camelo" não fora mais tão empolgante quanto fora na ida. Chegamos na vila e os encontramos sã e salvos. Haviam nos perdido de vista e voltaram por não conhecerem o caminho. Eram três horas, e a balsa que nos levaria de volta já havia saído no momento em que decidimos retornar à Parintins.
Como a próxima só chegaria duas horas depois, resolvemos retornar até um igarapé que encontramos numa das trilhas, as águas geladas e cristalinas logo fizeram todo estresse ser esquecido e a vontade de ficar mais prolongar-se até as quatro e meia.
Chegamos em Parintins e todo o cansaço era transformado em risadas enquanto voltávamos para casa. O corpo marcado pelo sol, e as roupas sujas de lama davam a leve aparência de que fomos resgatados da selva.
O convite para chamar mais gente e repetir a dose ficou pendente e certamente será aceito na próxima.